Arquivo da Categoria ‘De 1500 a 1600’

COMPROVADO

Um sábio, lendo um livro de segredos naturais, em que se dizia que no homem, ter a barba larga é sinal de muita ignorância; pegou uma vela na mão para olhar-se ao espelho, porque era de noite, e queimou por descuido quase a metade da barba. Logo ele anotou na margem do livro: “Ficou comprovado”.

PARCO CONSOLO

Um homem, voltando do carniceiro, levava na mão um fígado de carneiro que comprara. Um cão que por ali passava, deu um salto e fugiu com ele na boca. O homem consolou-se dizendo:

– Ainda que o cachorro tenha o fígado, não sabe o modo de cozinhá-lo.

Tendo alguém observado que a um homem jovem faltavam alguns dentes da frente, este respondeu:

– Juro que quem me os arrancou, caiu a meus pés!

– E quem foi?

– Uma telha.

DE MÉDICO E DE LOUCO

Tinha um Marquês um bufão de grande inteligência, o que sempre se precisa ter para saber fingir-se de tolo. Estando esse bobo certo dia com o seu amo, tratou-se sobre qual profissão na cidade era a mais numerosa. O gracioso respondeu que a dos médicos.

– Muito pouca notícia tens desta cidade, – disse o Marquês – pois apenas haverá nela quatro ou cinco médicos.

Argumentou o bobo, dizendo que tinha se posto um dia na sala do Marquês com um lenço dobrado na cara, como quem estava com dor de dentes. Todos os que passavam, entrando e saindo, lhe perguntavam o que tinha, e lhe ensinavam seu remédio. A todos os “médicos” o bobo rendia graças, e dizia que ia para casa por o remédio em prática.

E o último “médico” fora o próprio Marquês, que saindo e vendo-o naquele estado, teve dó dele e lhe ensinou outro remédio!

 Com isto o Marquês teve que rir, e reconheceu ter perdido, e ter tido o gracioso razão…

PRESENÇA DESNECESSÁRIA

Andando D. António de Meneses passeando no terreiro, mandou o príncipe D. João chamá-lo. E

ele, sabendo do moço da câmara que levara o recado que estava o príncipe com somente fidalgos

que lhe el-rei seu pai dera por oficiais supremos de sua casa, entendeu que era para gracejar e disse

ao moço da câmara:

– Dizei a Sua Alteza que, se me manda chamar para conselho, que aí tem D. Pedro Mascarenhas;

se para saber de mim antiguidades, aí está D. Garcia de Almeida; se para cavalarias, que lá tem Aires

de Sousa; se para sonetos, a Francisco de Sá de Meneses; se para ditos e motes, a Rui Pereira da Silva;

com os quais pode escusar a D. António de Meneses5.

Sabendo nós que Sá de Meneses desempenhava desde 1549 as funções de camareiro

A BARBA DA PRINCESA

Até o século XVIII, como se sabe, raramente as mulheres faziam parte das companhias dramáticas na Europa. Por isso, geralmente os papéis que lhes deviam pertencer eram desempenhados por homens. Indo um dia um nobre ao teatro, e impacientando-se de sobra porque o espetáculo não principiava, veio falar-lhe o diretor e escusou-se dizendo:

– Senhor; peço perdão por esta demora, mas a princesa está fazendo a barba.