Arquivo da Categoria ‘De 1700 a 1800’
DEPENDE
Uma noite em que Nicolau Tolentino recolhia para casa, tarde como era seu costume, um oficial da ronda apresentou-lhe uma pistola ao peito, perguntando-lhe para onde ia; ao que ele respondeu com todo o sangue frio:
– Se o senhor der ao gatilho… para o outro mundo; senão… para a minha casa.
O oficial riu-se e Tolentino retirou-se sossegado.
CEDO
Nicolau Tolentino sentindo uma noite os ladrões, que tentavam abrir-lhe a porta, chegou a uma janela, e disse-lhes mui tranqüilo: “Voltem daqui a pouco, que por ora ainda não estou a dormir.”
“FRA DIAVOLO”
Frei Francisco Xavier de Santa Rita Bastos Baraúna, nascido na Bahia em 1785 e falecido em 1846, era mais amante dos folguedos do mundo profano do que dos misticismos do claustro. Consagrou o melhor de sua existência à paixão do jogo, do vinho e das mulheres, pelo que sofreu muitas prisões no cárcere do seu convento.
A FEIÚRA DO PECADO
Costumavam freqüentar a missa da qual frei Bastos Baraúna era incumbido do sermão, uma senhora e suas duas filhas. Da mais alta sociedade, riquíssimas, muito orgulhosas, (só assistiam aos serviços divinos das tribunas reservadas)… mas muito feias, feiíssimas!
Pois frei Bastos, em certo domingo festivo, com a igreja transbordante de fiéis, sobe ao púlpito e, erguendo os olhos, ergue também os braços e, as pupilas fixas nas caras das ricas e orgulhosas damas, exclama a plenos pulmões:
– Como são feias, Senhor! Como são feias!
Diante daquilo a assistência em peso torceu-se em seus lugares e todos os olhos dirigiram-se para a tribuna solene. As damas visadas entreolhavam-se, aflitas.
E frei Bastos, imperturbável, os olhos sempre fixos nas ricaças, os braços abertos:
– Como são horrorosas!
Já se erguiam as damas para fugirem aos escândalos, quando o padre, descendo os braços e desviando o olhar, continuou, com toda a naturalidade:
– Sim, como são horrorosas… as almas em pecado mortal!
PARA ACORDAR
Frei Bastos Baraúna adorava escandalizar os que o ouviam no púlpito. Certa vez, ao iniciar seu sermão, bradou:
– Maldito seja o Pai! Maldito seja o Filho! Maldito seja o Espírito Santo!
E concluiu ante o espanto dos presentes:
– Assim bradam os demônios do inferno!
CHEIO DE RECURSOS
Uma ocasião Frei Baraúna teve que sair correndo da mesa do jogo para o púlpito, pois esquecera da missa da noitinha. E saiu sem ter tempo de esconder o baralho na manga do hábito.
Frente ao altar, ao persignar-se, genuflexo, caíram-lhe algumas cartas no chão. Sem perturbar-se, frei Baraúna mandou que um menino as apanhasse e lhe dissesse que cartas eram. O menino obedeceu, mostrando conhecer os naipes. O frade ordenou-lhe em seguida que rezasse o “creio em Deus Padre” e, como o menino declarasse não saber a reza, frei Bastos Começou:
– Vejam, senhores e senhoras paroquianos! Este menino conhece os naipes do pernicioso baralho, mas é incapaz de rezar o Credo!…
E, a partir daí, improvisou um sermão eloqüente sobre os vícios e a educação religiosa da mocidade…