DO “JUDEU”

Antônio José da Silva, O Judeu, era brasileiro, mas mudou-se para Portugal ainda menino. Formou-se em cânones em Coimbra, e foi autor de inúmeras comédias, onde se destacam os diálogos amalucados. Na sua mais famosa peça, Guerras do Alecrim e da Mangerona, há esta famosa cena, em que o médico charlatão, Semicúpio, examina o rústico, D. Tibúrcio; assistido pela tia do paciente, D. Lancelote.

D. Tib. – Ai minha barriga, que morro! Acuda-me, senhor doutor!

Semic. – Agora vou a isso. Ora diga-me. O que lhe dói?

D. Tib. – Tenho na barriga umas dores mui finas.

Semic. – Logo as engrossaremos. E tem o ventre túmido, inchado e pululante?

D. Tib. – Alguma coisa.

Semic. – Vossa mercê é casada ou solteira?

D. Tib. – Por que, senhor doutor?

Semic. – Porque os sinais são de prenhe.

D. Lan. – Não, senhor, que meu sobrinho é macho.*

Semic. – Dianteiro ou traseiro.

D. Lan – Ui, senhor doutor. Digo que meu sobrinho é varão.**

Semic. – De aço ou de ferro?

D. Lan. – É homem, não entende?

Semic. – Ora acabe com isso. Eis aqui, como, por falta de informação, morrem os doentes. Pois se eu não especulara isso com miudeza, entendendo que era macho*, lhe aplicara uns cravos. E se fosse varão**, umas limas. (…)

D. Lan. – Eis aqui como gosto de ver os médicos. Assim especulativos.