Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’

Um pintor tinha produzido um quadro da Virgem, e posto a seu pé uns versos de composição própria. Pediram a um galhofeiro seu parecer, que disse:

– Bons versos para um pintor, e bom quadro para um poeta!

A um homem, que não sabia onde ia comer, ocorreu que um conhecido seu casava uma filha, dando cem mil reais de dote. Apresentou-se em sua casa na hora do almoço, dizendo:

– Tenho a propor-vos um negócio que vos valerá cinqüenta mil reais, mas é mister tomar algum tempo.

Convidou-lhe, pois, a almoçar o amo da casa, deixando para depois o assunto. Finalizada a comezaina, disse o convidado ao anfitrião:

– Pois, senhor, vós casais vossa filha dando de dote cem mil reais; case-a comigo que me contentarei com a metade, e assim ganhareis cinqüenta mil reais num instante.

Pareceu-lhe muito mau o projeto, e o expulsou furibundo.

Um fanfarrão sacou sua espada contra um homem, que se pôs valorosamente em defesa, e lutava com bravura. Vendo o valentão que a coisa ia mal para o seu lado, gritou ao seu inimigo:

– Baixe a espada e rende-te!

– Trate de defender-te – replicou-lhe o adversário.

Então o provocador, deixando de lutar, lhe disse:

– Veja como sou mais generoso do que tu, pois te rendo a minha espada com o maior gosto.

Uns penitentes combinaram disciplinarem-se dentro de uma ermida extramuros da cidade. Quiseram convencer a certo libertino para que fosse também fazer penitência. Este aceitou a proposição, para fazer alguma coisa boa, mas como a flagelação o aterrorizasse, chegou à ermida uma hora depois do combinado.

Encontrando fechada a porta, espiou pelo buraco da fechadura, e como visse todos aqueles devotos chicoteando-se com estrépito, gritou desde fora:

– Meus irmãos, eu junto a minha intenção com a vossa, e uno-me convosco em espírito!

Numa procissão da Paixão de Cristo que se fazia em certo lugar, era um dos primeiros papéis o de demônio, porque com suas longas unhas tinha o privilégio de agarrar tudo o que via. Um sujeito, que havia feito quantas diligências pode para fazer-se de tal, sem conseguir, disse:

– Este ano não consegui ser mais que apóstolo; porém no ano que vem espero ser diabo.

A um criado muito simplório, mandou o seu amo que levasse dois formosos figos a um amigo seu juntamente com uma carta. Tentado pela guloseima, o criado comeu um deles no caminho. O amigo, informado pela carta de que os figos eram dois, perguntou ao criado pelo outro; este respondeu que o havia comido.

– Mas, como? – replicou o amigo do amo.

E o criado, tomando o figo que sobrara, lhe disse:

– Desta maneira – E comeu-o também.