Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’
RIO MAL COLOCADO
Indo um bêbedo por um caminho que costeava um córrego, e caindo na água, tanto que se sentiu molhado, exclamou:
– É boa asneira meterem o rio cá para o meio da estrada!
FALAVA A VERDADE
Sendo preso e acusado um homem de gatuno, disse ao ministro que ele era um homem de bom proceder, porque sempre se recolhia com as galinhas. E tantas vezes repetiu isto mesmo, que o ministro passando a maiores indagações veio a conhecer que o homem não faltava à verdade; com efeito, se recolhia com as galinhas, mas era com as que ele roubava.
CARTA DE GUIA DE CASADOS
Entre janeiro e março de 1650, D. Francisco Manuel de Mello escreveu a A Carta de Guia de Casados, a pedido de um noivo pertencente à fidalguia. E para matar o tédio durante os dois meses em que esteve preso na Torre Velha.
A obra emite conceitos tão esdrúxulos e preconceituosos, que nos dias de hoje só pode ser lida por curiosidade ou por brincadeira. O texto trata duma série de questões matrimoniais, (exclusivamente na visão do marido!), destinadas àqueles que se dispunham a enfrentar as vicissitudes do matrimônio.
Nela, D. Francisco, estribado na sua experiência mundana (era solteiro e conquistador!), dá conselhos vários; desde o governo econômico da casa, o trato com os criados, até o controle da mulher – a quem ele atribui a responsabilidade única pelos dissabores e desarmonias conjugais. Quanto aos maridos (pobres vítimas): nenhum reparo a fazer!
Segundo ele, à mulher cabe uma função totalmente subalterna à do marido, e num âmbito restrito às quatro paredes da casa. A seu ver, para ser feliz a mulher deveria ser anafalbeta e submissa!…
COM AS MULHERES: RÉDEAS CURTAS!
Na Carta de Guia de Casados, o bom D. Francisco classifica todas as esposas nas seguintes categorias, incluindo recomendações aos maridos das mesmas:
– Brabas: as que mais dão trabalho ao marido para corrigir. “É de se lamentar o fato de o castigo e a violência serem hoje, algumas vezes, mal vistos na gente de grande qualidade;
– Feias: O remédio é simples: A feia é pena ordinária, porém que muitas vezes ao dia se pode aliviar, tantas quantas seu marido sair de sua presença, ou ela da do marido”;
– Néscias: A burrice natural na mulher é coisa pesada, mas não insuportável. Procure o marido emprestar de seu juízo, aquela discrição que vir que a ela falta. Mas, se o marido também for tolo, a mulher néscia não lhe causará prejuízo.
– Doentes – O marido deve ter paciência e tratar da mulher doente, (…) pois favor foi grande de Deus padecesse antes aquela parte que menos falta faria à família.
– Proluxíssimas : Para as geniosas, a solução é fácil: Convém que estas tais se lhes aperte o freio, e lhes dêem pouca mão no governo da casa. As geniosas causam problemas com os criados, e o marido terá que fazer a escolha: a mulher ou os criados?
– Ciosas: O autor recomenda que os maridos sejam discretos nos suas escapadas, e não dêem razões para os ciúmes das suas caras-metades;
– Gastadoras: Deve uma mulher honrada tratar o dinheiro com aquele mesmo temor que ao ferro e ao fogo! Pois por ali logo se vai ao fundo a família inteira. O recomendável é que a esposa não lide com dinheiro nunca.
– Apetitosas: Calma. São apenas as que hoje chamamos gulosas. E que por um bom petisco venderão o próprio marido. Regime alimentar nelas!
– Voluntariosa: Faça-se-lhes compreender que à sua conta não está o entender, senão o obedecer (…) – Curto e grosso.
– Ligeiras: Por este nome entende D. Francisco as “fáceis”, as excessivamente “gentís” com homens que não o marido, o pai, os irmãos e ou o padre. Observando: (…) porque não acho nome decente. Estas exigem do marido vigilância contínua! Dormir sempre com um olho aberto, é o ele recomenda.
– Formosas: Segundo o autor, as piores! Pois (…) saiba que tem perigosa mercadoria. E, por esta razão não faltou já quem duvidasse se a formosura se dava por prêmio, se por castigo. De qualquer forma: olho vivo e disciplina!
TORTURA LENTA
Um capuchinho, que era pregador peregrino, chegou a um povoado para fazer um sermão. Subiu ao púlpito, fechou os olhos e começou a soltar a verborragia, que ameaçava não terminar nunca. Todos os fiéis foram escapulindo, um a um, até que não restava na igreja mais que o pregado e o sacristão, encarregado de fechar as portas.
E como este tampouco tivesse paciência para aguardar o fim da predicação, chegou-se ao capuchinho, apresentando-lhe o molho de chaves e dizendo:
– Fazei-me o favor de fechar as portas quando terminares!
POR SORTE
Um fidalgo gostava de tratar diretamente com a gente do povo, a quem dava bastante liberdade. Uma manhã recebeu em seu palácio a visita de um leiteiro. Sabendo que o fidalgo sempre tinha notícias frescas da da Corte, o rústico perguntou-lhe as novidades:
– Ontem, na Corte, – disseu-lhe o nobre, querendo fazer troça do outro – um leiteiro e seu burro foram arrojados no rio.
– Pois então, senhor; devemos dar graças a Deus por vivermos aqui! – respondeu o leiteiro.