Arquivo da Categoria ‘De 1700 a 1800’
PROVIDÊNCIA NECESSÁRIA
Um cura de aldeia começou a pregar as três de tarde, e estava próximo o fim do dia, e ainda não havia chegado à saudação. Cansado de tanta prodigalidade, um dos ouvintes foi deslizando pouco a pouco em direção da porta da igreja. Isso observou o cura, e levantando a voz disse:
– Aonde vai esse mau cristão?
– Padre cura, respondeu o homem com muita humildade, vou dizer à minha mulher que envie a minha cama para a igreja.
AO PÉ DA LETRA
Um requerente não cessava de importunar o ministro da marinha, Francisco Xavier de Mendonça. Certo dia o ministro, impacientado rompeu nestes brados:
– Que queres tu que eu faça? A decisão depende de El-rei. Ele não te despacha. Vai dar-lhe com um pau.
O requerente seguiu o alvitre do ministro. Pegou de um cacete; e ao recolher-se El-rei D. José da coutada de Vila Viçosa para o palácio, lhe atirou uma paulada que roçando pelas costas do monarca, se foi descarregar na anca do cavalo. Só não foi morto porque desconfiaram que era louco. Era.
OUTRA HORA
No século XVIII foi muito popular no Porto um ator cômico, conhecido pelo nome de Manoel Esteieiro. Estando ele à uma janela, os seus gracejos desgostaram um transeunte, que, talvez sem o conhecer, o desafiou da rua para brigar.
– Hum! – disse o cômico depois de refletir um pouco – agora não pode ser que estou sem raiva…
APRENDER A NADAR
El-rei D. José um dia travou discussão com o velho marquês de Ponte de Lima, acerca do poder que o rei tinha sobre os seus vassalos, sustentando o rei que esse poder era ilimitado, opondo o marquês uma negativa formal fundada em várias razões a que o monarca não sabia o que replicar.
A discussão foi azedando e, a certa altura, D. José, querendo exemplificar a sua tese, disse muito irritado para o marquês:
– Se eu lhe ordenasse que fosse atirar-se ao mar, o marquês deveria cumprir imediatamente, e sem a mais leve hesitação a minha ordem.
Com grande espanto dos fidalgos que assistiam à contenda, o marquês, em vez de replicar, dirigiu-se bruscamente para a porta do salão.
O rei, não menos admirado que os seus cortesãos, perguntou-lhe surpreendido:
– Aonde vai?
– Aprender a nadar, meu senhor.
Uma estrepitosa gargalhada sublinhou a espirituosa resposta, e o rei deu a discussão por terminada.
DEDUÇÃO LÓGICA
Um rapaz era pajem na casa de um fidalgo muito rico, mas muito sovina. Ali os criados levavam uma vida miserável, dormindo sobre no chão, e quase não tendo o que comer.
Um dia o tal pajem saiu para comprar um molho de rábanos, que seria o único almoço de todos naquele dia, e encontrou uma procissão de religiosos, que conduziam um defunto para o cemitério. Atrás do morto, seguia a viúva chorando e se lamentando. O rapaz perguntou a um dos acompanhantes do cortejo, para onde levavam o falecido, e quando este lhe explicou, correu como um raio para a casa do amo. Mal lá chegando, trancou todas as portas e as janelas, e disse espavorido ao seu senhor:
– Senhor, senhor! Cuidado que nos trazem cá um defunto!
– Tu deves estar doido! – respondeu o amo – Acaso a minha casa é igreja?
– Bem sei que não, – retrucou o pajem – mas suspeito que venham cá enterrar aquele finado. Pois a gente que o traz vem dizendo que o levam à casa onde não se come, nem se bebe, nem há cama mais que a terra fria; e como aqui ninguém come, nem bebe, nem tem cama…
E AGORA?
Um médico vigarista vinha tratando ha anos de certo cavalheiro, que tinha um espinho no pé, mas que o médico tinha convencido de que era um abscesso.
Tendo que viajar um dia o tal médico, deixou seu filho encarregado de continuar os curativos no tal “abscesso”. Mas o filho, no primeiro tratamento, viu que se tratava de um espinho e o arrancou. Cessaram logo as dores, e o doente sarou em poucas horas.
Quando o pai voltou, o filho veio todo alegre contar-lhe o sucedido, esperando receber elogios. Para sua surpresa disse-lhe, porém, o pai, enfurecido:
– Ah, grande besta! Não vias tu, idiota, que enquanto o paciente sentia dores, continuavam as visitas e os pagamentos? Secaste o leite da cabra que ha tantos anos eu ordenhava!