Arquivo da Categoria ‘De 1700 a 1800’

FAVOR

Um famoso ator farsista conhecido por Carlino, certa vez tinha o teatro quase vazio, sendo obrigado a dar a sua récita em presença de dois únicos expectadores, um dos quais se retirou antes de findar a representação.

Acabada esta, e sendo costume anunciar ao público a comédia que deveria representar-se no dia seguinte, Carlino, fazendo sinal ao único espectador para que se aproximasse, lhe disse:

– Senhor, tenho que pedir-vos um favor.

– E qual é? – respondeu o expectador.

– Senhor,  – replicou Carlino – se quando sairdes do teatro encontrardes por acaso alguém, peço-vos que lhe digais, que amanhã representaremos – As vinte e seis desgraças do farsista.

UM HOMEM PREVIDENTE

Um médico vivia só em casa, tendo apenas um galego que fazia os recados. Um dia quis sair da Corte, para passar algum tempo no campo; mas lembrando-se que, durante a sua ausência, podia a humanidade reclamar os seus cuidados, pôs na porta da rua este aviso: “Eu vou passar alguns dias fora, e deixo para me substituir, o meu amigo e colega F… – Se alguém vier de noite procurar-me, e não puder ler este aviso, bata à porta do vizinho defronte, que é o meu sapateiro, e peça-lhe uma lamparina, que ele prontamente a emprestará para os fins convenientes.”

EDUCADO

Passando um provinciano, recém chegado à Corte, por uma rua, por acaso encontrou um coche; e como o que ia dentro o saudasse, por reconhecê-lo, dizendo:

– Adeus conterrâneo!

Voltou o provinciano a cabeça e não reconhecendo, lhe fez uma muito profunda reverência, respondendo:

– Adeus não conheço!

CAVALO DEVOTO

Tendo um judeu vendido a certo fidalgo um cavalo, quis insistir que era turco. O fidalgo, depois de o pagar por bom preço, mostrou-o ao seu mordomo, que era entendedor, dizendo-lhe:

– Que te parece? Será turco ou não?

– Quer V. Exª que vos fale a verdade? – respondeu o bom homem, depois de examinar o animal. – Digo-vos que este cavalo é tão cristão quanto o Senhor.

SÓ DISSE PARA ELE

Dizia um vaidoso fidalgo a um ancião cortesão:

– Estando eu ontem à noite ao deitar do Rei, me disse este Monarca esta novidade.

E apropriando-se a si só, o que o Soberano disse a todos os que estavam presentes. Aquele senhor, que reconheceu a loucura; e para lhe abater o orgulho, lhe disse:

– Estando eu ontem na catedral ao sermão, o pregador me disse coisas admiráveis.

ONÇA LERDA

Tendo um fidalgo um bom serviço de mesa, mandou-lhe acrescentar uma peça de gosto para ornato, e que representava uma onça. Outro seu amigo lha mandou pedir para ornar sua mesa num banquete que pretendia dar. Indo a peça, não voltou à casa de seu dono senão passados dez meses.

Passados alguns meses mandou este senhor fazer outra rica peça, trabalhada às mil maravilhas, que representava uma tartaruga. Sabendo-o, o amigo passado, lha mandou pedir para dar uma ceia a uns estrangeiros,

Procurando o fidalgo ao que a ia pedir quem era; e sabendo ser o mordomo, lhe disse:

– Dizei ao senhor fulano, vosso amo, que sendo o meu animal onça tão ligeira gastou dez meses para voltar a casa, que fará a tartaruga que é tão vagarosa?

E assim o despediu sem nada.