Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’
PROFETADAS
Quando andavam adivinhos pelo mundo, um deles encontrava-se num círculo, quando viu passar um cão e disse:
– Aquela cachorra está prenhe; parirá sete filhotes e cinco terão raiva.
– Não é cachorra, – lhe disseram – mas cachorro.
– Pois se é cachorro, – replicou ele sem abalar-se – então está muito bem alimentado.
IMPERDOÁVEL
Um rei de Portugal que tinha que escrever uma carta ao Papa, chamou a um de seus cortesãos, dizendo-lhe:
– Visto que sabeis sobre o que há de versar a correspondência, escrevamos uma carta cada um, e a que resultar melhor escrita é a que enviaremos ao Pontífice.
Assim o fizeram, e o próprio rei teve de reconhecer que não era a sua carta a preferível, e o admitiu no ato.
O cortesão só lhe respondeu com uma profunda reverência; porém imediatamente correu a despedir-se de seu melhor amigo, dizendo-lhe:
– Vou me expatriar, porque estou perdido. O rei constatou que tenho mais talento do que ele e nunca irá me perdoar.
IN VINO
Cearam tumultuosamente uns desocupados, e entre os vapores do vinho, ao chegar a hora das verdades, trouxeram à luz os vícios de seu rei.
Este ficou sabendo, e chamou-os a palácio; e furioso lhes perguntou se tais blasfêmias haviam dito.
Envergonhados e temerosos, não sabiam o que responder; mas um deles se adiantou com grande serenidade e disse:
– Senhor, é verdade que contra Vós nos ocorreram bobagens, e mais bobagens ainda teríamos dito, se não tivesse acabado o vinho.
ELE TAMBÉM…
Um alfaiate e um tecelão, que tinham sido grandes amigos, vieram a inimizar-se. Desde então, o alfaiate começou a dizer barbaridades do outro; porém este elogiava aquele constantemente, dizendo:
– Já que ele mente falando de mim, eu também quero mentir falando dele.
VIRGEM
Um cavalheiro tão notável por sua desvergonha nos salões como por sua covardia nos campos de batalha, disse em presença de uma senhora, que por cada virgem que lhe mostrassem daria ele um dobrão de ouro.
– Guarde o vosso dobrão, – disse a senhora – porém confesse que eu vos mostrei uma virgem, e é essa espada que vossa mercê leva à cintura.
GENTE FINA É OUTRA COISA!
O Conde de Castanheda, da casa de Meneses em Portugal, reparou, por meio de uma agudeza, certa liberdade com o rei D. João IV. Este monarca, que o tratava como favorecido, deu-lhe uma palmada nas nádegas, e este soltou um flato na mão do rei. Ficou El-Rei estarrecido ao ver aquela falta de respeito; porém o favorito acudiu dizendo-lhe: Senhor, em que porta baterá Vossa Majestade, que no mesmo instante não Vos atendam? A desculpa agradou ao Rei, tanto como lhe desagradou o ato.