Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’

SÓ SE FOR DO ALÉM

Certo sujeito foi visitar um amigo que estava muito doente. Encontrando a mulher do adoentado à porta da casa, esta lhe disse, aos prantos:

– Ele nos deixou!… Ele nos deixou!…

 O visitante então respondeu:

– Que lástima! Mas, quando ele retornar, por favor, não deixe de avisar-lhe que eu estive aqui!

ATÉ O FIM

Um velho era muito avarento nas despesas da casa, e numa coisa era fanático: se haviam duas achas de lenha queimando no fogão, tirava uma; se via duas lamparinas acesas, apagava uma; se via duas velas ardendo, onde uma bastava, fazia o mesmo. Um dia adoeceu, e não havendo esperança, e estando in extremis, o filho acendeu-lhe uma vela, e entregou-a a ele, dizendo:

– Pai, peça perdão a Deus!

Respondeu o velho, num fio de voz:

– Eu pedirei, sim, meu filho. Mas não te esqueças de uma coisa: assim que eu entregar a alma a Deus; por favor, apague a vela!

A MESMA COISA

Sabendo que um homem teria que ir à Corte para tratar de certo negócio, um seu visinho, pediu-lhe:

– Compadre, se não for abusar: vossemecê poderia me trazer do Rio dois moleques de dez anos, para os serviços da casa, e brincar com as crianças?

– Com muito gosto. – respondeu o homem, recebendo o dinheiro para a compra. – E se eu não encontrar os dois negrinhos de dez anos,  trarei um preto de vinte.

COMPADRE ERBÍVORO

Os indígenas não conheciam o cavalo, que foi trazido para o Brasil pelos europeus. Certa vez, um chefe índio aliado dos portugueses, foi à estrebaria e pôs-se a falar com um dos cavalos. Disse que o queria por compadre, porque tinha ouvido dizer que os cavalos eram valentes na guerra e bons amigos. Um mameluco que tinha cuidado do cavalo, quando viu o índio triste por não obter resposta, ofereceu-se para intérprete, e fingindo que falava na orelha do animal, disse-lhe que o cavalo honrava-se com sua amizade. Com esta resposta o índio perguntou o que comia o seu compadre, porque de tudo o proveria. Respondeu o mameluco que o seu mantimento diário era erva e milho, mas que também comia carne, peixe, e mel.

 De tudo forneceu abundantemente o chefe, andando os seus, uns a segar erva, outros a caçar, e pescar, e tirar mel dos paus – com que o intérprete se sustentava muito bem! E o cavalo engordou tanto, que abafou, e morreu de gordo, cuja morte o índio muito sentiu, e o mandou prantear por sua mulher e parentes.

RECOMPENSA

Durante o conflito entre portugueses e holandeses, houve um escravo de um serralheiro português que prendeu seu senhor e, depois de esbofeteá-lo, dizendo-lhe que já não era seu senhor senão seu escravo; não contente, ainda cortou-lhe a cabeça.  Depois – lembrando-se do ódio que tinham os holandeses aos portugueses – teve a idéia de levar a cabeça do amo morto ao coronel dos holandeses, na certeza de que este lhe daria uma recompensa.

O coronel, de fato lhe deu duas patacas, …mas depois o mandou enforcar, sob o argumento de que quem fizera aquilo a seu senhor, também o faria a ele, se pudesse!

LAMBENDO A LUZ

No Brasil do século XVII, certa vez houve grande falta de óleo de peixe, tanto para a sinalização de barcos e navios, como para a iluminação dos engenhos que trabalhavam toda a noite. Assim tiveram que utilizar azeite de dendê. Os colonos porém ficaram admirados ao constatarem que esse óleo não durava nada! Depois foi descoberto o mistério: Os negros eram loucos por esse azeite, e não bastava todo o azeite do mundo para a iluminação. Tanto assim que tiveram que misturar-lhe um outro azeite amargoso, e fedorento, para que os escravos não lambessem os candeeiros!…