Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’

INJUSTIÇA

Empobrecido, Gregório de Matos recorreu à generosidade dos senhores de engenho, dedicando-lhes versos aduladores, como sempre fazia quando estava em situação difícil. Mas certa vez um deles censurou-o pelo estado de penúria em que se achava, dizendo que cada qual é autor da própria fortuna, colhendo sempre o que semear. Ao que o poeta respondeu:

– Não há dúvida, mas é de si desgraçado aquele contra quem se conjura a malícia, que de tudo lhe fazem um crime. Por exemplo, ali vem um boi. Ele só tem um corno, como estamos vendo. Mas se eu lhe chamar boi de um corno, Deus me livre da indignação do seu dono.

MAIS UM ALVO

Quando em 1682 o alcaide-mor da cidade, Francisco Teles de Menezes, começou a prender muita gente importante, e os navios que levavam caixas de açúcar para o Reino passaram a levar “mais queixas que caixas”, segundo um dito da época; Gregório de Matos não o perdoou e dirigiu-lhe um soneto com este final:

                        “(…)

                        Homem eu sei que foi vossenhoria,

                        Quando o pisava da fortuna a roda,

                        Burro foi ao subir tão alto clima.


                        Pois alto, vá descendo onde jazia

                        Verá quanto melhor se lhe acomoda

                        Ser homem embaixo, do que burro em cima.”

AJUDA

Sebastião da Rocha Pita, antes de ser senhor de engenho de Cachoeira e autor da História da América Portuguesa, foi alferes de Infantaria em Salvador e deu guarda em Palácio. Nesse tempo, dedicava-se à poesia, escrevendo maus versos.

De uma vez em que estava de guarda em Palácio, por ali passou Gregório de Matos. E o alferes aproveitou o ensejo para pedir-lhe uma pequena ajuda:

            – Senhor Doutor – disse ele – estou com uma obra em preparo e quero que Vossa Mercê me dê consoante a este termo: “para mim”

 E Gregório, que o tinha na conta de burro:

            – Capim!

GREGÓRIO ESTAVA CERTO

Esse Rocha Pita, achincalhado por Gregório de Matos, bem que o merecia. Não contente com ser apenas um mau poeta, decidiu fazer-se historiador. Depois de muita pesquisa, inclusive compulsando documentos na Metrópole, produziu uma História do Brasil no mais puro non sense. São personagens de sua “História da América Portuguesa”, os heróis da mitologia grega, os santos do catolicismo; os profetas bíblicos e os filósofos da idade-média!… Os dados geográficos são também curiosos: segundo ele, nos limitávamos para o ocidente com a África, e éramos antípodas de Malaca

CATÓLICO

Os versos de Gregório de Matos valeram-lhe o apelide Boca do Inferno e a perda de cargos eclesiásticos que exercia, o que o fizeram voltar-se contra a Igreja em sátiras assim:

                        “A nossa Sé da Bahia,

                        Com ser um mapa de festas,

                        É um presepe de bestas,

                        Se não for estrebarias.

                        Várias bestas, cada dia,

                        Vejo que o sino congrega:

                        Caveira mula galega,

                        Deão burrinha bastarda,

                        Pereira mula de albarda

                        Que tudo da Sé carrega.”

NÃO SE PREOCUPE

A um padre que veio agradecer-lhe o fato de não estar incluído na sátira contra a Sé da Bahia, respondeu:

– Não, padre. O senhor está lá, nas bestas.