Arquivo da Categoria ‘De 1800 a 1900’

NEM DOS ENXUTOS

Uma ocasião Laurindo Rabelo desentendeu-se com o velho e rabugento conselheiro Mariano Carlos de Sousa Correia, seu chefe no Corpo de Saúde do Exército. O conselheiro tinha o apelido de “Rato Molhado”, pela forma como ajeitava os raros farrapos de cabelo grisalho sobre a calva.

O velho conselheiro, furioso, repreendeu Laurindo; ao que este, empavonando-se, carregando o sobrolho e disparando arrebatado, exclamou:

– Ora, nunca fiz caso de ratos enxutos, quanto mais de ratos molhados!


SI NON É VERO…

Capistrano de Abreu costumava contar como ele, simples redator da Gazeta de Notícias, proclamara a República, em 15 de novembro de 1889. Já havia um movimento agitador nesse sentido – Benjamim e Quintino não escondiam sua oposição ao Imperador; Deodoro, o chefe da insurreição, se opunha abertamente ao Ministério. Mas ficavam no sai, não sai. Havia indecisão, temor… uns esperando pelos outros. O povo sabia que a coisa estava por estourar.

Capistrano encheu-se! Tomou o giz e, no quadro negro da porta da redação, escreveu, por sua conta e risco: Proclamada a República. A multidão quer passava pela Rua do Ouvidor parava, lia, e seguia comentando e espalhando. “Estava” proclamada a República… Os interessados vieram a saber. Proclamara-se a república.

DESILUSÃO REPUBLICANA

A República, tão esperada e idealizada, foi motivo de imenso desapontamento. A ingenuidade e o romantismo com que havia sido idealizada uma república brasileira, levava a crer que a prosperidade nacional viria com a simples troca do regime.

Mas os problemas nacionais se intensificaram. Os negros alforriados e os imigrantes europeus contribuíam para aumentar ainda mais o desemprego. Os imigrantes, os portugueses em particular, tornaram-se aos olhos do povo e da imprensa, os culpados pela falta de empregos.

O que levava alguns jornais a publicarem textos como este: Os patrióticos trens eliminaram com toda a perícia cinco suínos humanos e os valentes bondes deceparam nobremente algumas pernas de galegos que andavam de boca aberta pelas ruas a servirem de palhaços à garotagem.”

MANOEL TRINTA BOTÕES

O caricaturista português Rafael Bordalo Pinheiro chegou ao Rio de Janeiro em 1875. Na ocasião colaborou com a “Revista Fluminense”, ilustrou o “Mosquito” e, em seguida, publicou o jornal de caricaturas “O Besouro”. Rafael não tinha papas na língua, demonstrando grande habilidade na sátira política.

No “O Besouro” ele criou um tipo-emblemático, o Fagundes, representando o político brasileiro medíocre e oportunista. Com isso atraiu o rancor de políticos, como o senador Barão de Lavradio, que declarou, na Câmara, que “… o Brasil acolhia de bom grado os portugueses quando eles vinham de jaleco de briche de trinta botões oferecer-lhes o seu braço e o seu trabalho, mas que não precisava de janotas que ainda por cima lhe pagavam a hospitalidade com a agressão e o escândalo”

Rafael não se fez de rogado, criou o personagem Manoel Trinta Botões e, dois dias depois, apareceu na Rua do Ouvidor vestido com jaquetão azul abotoado com 30 enormes botões e calças brancas (as cores da bandeira portuguesa durante a Monarquia).

“FAZEIRE U VRAZILE”

Aluísio de Azevedo estreou como caricaturista fazendo alusão ao “fazer o Brasil” dos imigrantes portugueses.  A ilustração mostrava um laboratório onde entram imigrantes portugueses magricelas e de tamancos. O índio brasileiro ativa a fornalha com que saem do outro lado da almanjarra os nédios barões, viscondes e comendadores lusos, o ventre próspero, o ar arrogante, a Cruz de Cristo no alto do peito. “À chegada e alguns anos depois”- é a legenda.

De acordo com o velho adágio dirigido aos imigrantes que enriqueciam na nova terra: “Pai agricultor, filho doutor, neto senador”.

Não era o que ocorria com a maioria, contudo. Os outros foram alvo da ironia de Monteiro Lobato: “É assombroso como do português retaco, robustissimo, que de sol a sol brita pedra nas pedreiras do Rio, o “meio” extrai em duas gerações… um candidato a porteiro de grupo escolar!”

PRONOME DENUNCIADOR

Num dia de Carnaval, no Rio de Janeiro, Rafael Bordalo Pinheiro, metido num “dominó”, se encontrou com Machado de Assis à porta da Livraria Garnier, e indagou-lhe, disfarçando a voz:

– O senhor conhece-me?

E Machado, identificando o mascarado:

– Conheço pela colocação do pronome. É Rafael Bordalo Pinheiro.