Arquivo da Categoria ‘De 1800 a 1900’
E O OUTRO?
Tendo um oficial ficado caolho na guerra, substituiu com um olho de vidro o que lhe faltava, e que tinha o cuidado de retira quando se deitava; porém uma noite esqueceu-se e pediu a sua criada que o pusesse em cima de uma mesa. Vendo que a criada não se ia, perguntou-lhe irritado:
– O que está esperando?
– Aguardo que o senhor me dê o outro olho.
DIVISÃO DO TRABALHO
Bernardo Pereira de Vasconcellos sofria de uma paralisia nas pernas, que o obrigava a arrastar os pés quando andava. Entrava ele certa vez no Senado, esfregando os sapatos no soalho, quando o Visconde de Caravelas, que era coxo e abaixava-se de um lado a cada passada, lhe observou, rindo:
– Que é isso? Você está varrendo o Senado?
– É verdade – confessou o grande tribuno. – É verdade.
E aludindo ao defeito do outro:
– Eu varro o Senado e você ajunta o cisco!
ESPÍRITO CRISTÃO
No começo do século XIX, havia em Pernambuco um certo Gonçalo, sacristão de ofício, no qual se incluía o de ajudar os paroquianos a morrer. Ele punha-lhes uma vela benta nas mãos e ia com eles repetindo alto o nome de Jesus, até o trânsito derradeiro. Um dia em que assim fazia, o moribundo demorava-se em sua agonia. Gonçalo então exclamou, persuasivo:
– Morra logo, e deixe-se de bobagens!
DITADURA DA MODA
Dia 8 de março de 1808. O Rio de Janeiro vive o seu maior dia colonial: desembarca a corte portuguesa de D. João VI. O povo ferve, burburinha, e grita; no cais, nas ruas, nos morros, nas praias, nas árvores, nas sacadas e nos telhados.
As elegantes da cidade estão particularmente curiosas com a maneira de vestir das damas européias. Surge a Família Real e, curioso! Dona Carlota Joaquina, as princesas, as infantas, as damas de honor – todas, velhas ou moças – tem os cabelos cortados bem curtos!
– Deve ser moda! – deduziram as elegantes brasileiras.
– É o chique de Lisboa!
– É o último chique de Paris!
Logo as sedosas cabeleiras das cariocas haviam desaparecido; em poucas semanas, de norte a sul do Brasil, as mulheres se tosquiaram alegremente por elegância. Todas as brasileiras andavam orgulhosamente com os cocurutos quase raspados!
As razões de tal “moda”, eram tão ridículas como as das modas femininas de hoje: as mulheres da corte tinham cortado o cabelo em desespero, para combater a infestação de piolhos que grassou a bordo, durante a viagem!
OUTRO ‘ADMIRADOR’ DO BRASIL
A maioria dos membros da corte portuguesa que acompanhou D. João VI para o Brasil, na fuga das tropas de Napoleão, não fazia segredo do seu contragosto.
Certa vez, o príncipe Regente, que gostava disto mais do que da sua boa soneca, ao chegar de Portugal D. Francisco de Almeida, perguntou-lhe a queima-roupa:
– Que tal a minha nova cidade?
O fidalgo desconversou e, como D. João insistisse, respondeu com todo o desembaraço:
– Senhor, eu sempre ouvi dizer aos papagaios da América: – Papagaio real… para Portugal.
QUE AMOR DE RAINHA!
A rainha Carlota Joaquina, esposa de D. João VI, de temperamento infernal, nunca escondeu o seu desagrado pelo Brasil. Ao pisar o largo do Paço e ao ver a multidão que a recebia carinhosa e hospitaleira, chorou e chorou publicamente “de vergonha por ver-se transformada em rainha colonial”. Nunca lhe fomos mais do que um bando indecente de negrinhos desprezíveis. E, quando em abril de 1821, os soberanos embarcaram de volta para Portugal, ela, no escaler real, ergueu as mãos para os céus, gritando num dos seus rompantes de histeria:
– Graças a Deus vou rever terras habitadas por gente!
A bordo, repetia que, ao chegar a Lisboa, tinha receio de verificar que estava cega, pois:
– Durante treze anos vivi no escuro, “vendo apenas mato e negros”!
Ao saltar nas plagas lisboetas, arrancou os sapatos dos pés e atirou-os ao Tejo, explicando:
– Não quero pisar em “terra de gente” com sapatos que pisaram aquelas terras!
Realmente, “uma flor”, a maluca…