Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’

E POSSO LEVAR UMA PONTE?

Dada a precariedade das fontes, pontes, caminhos e outras coisas públicas da Bahia, reuniram-se certa ocasião os homens importantes da cidade, para decidirem os investimentos que fariam nesses bens de uso comum da população. A discussão foi interrompida, entretanto, pelo aparte de um desses grandes senhores, que disse:

– Que ponte, nem meia ponte! E lá posso eu carregar uma ponte para Portugal?! Isso tudo há de aqui ficar quando voltarmos para o Reino! Só colocarei dinheiro em ouro, prata e pedras preciosas; coisas que poderei levar comigo quando retornar para terra de gente!…

E assim, continuaram por longos anos a beber água suja, a se molhar ao passarem os rios, e a se embarrar nos caminhos.

É CADA UM POR SI, TERRA DE MURICI!

Diz Frei Vicente do Salvador: nenhum homem nesta terra é público, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular.  

O rico e influente bispo de Tucuman, da Ordem de S. Domingos, se dirigia à Corte, e, na Bahia, mandou seus criados comprarem um frango, quatro ovos e um peixe, para ele comer. Mas nada conseguiram, porque nada se encontrava (ou não lhe queiram vender!) nos armazéns ou no açougue!

Assim, tiveram que pedir as ditas coisas nas casas particulares, onde descobriram que havia estas e muitas outras iguarias! Verificou o infortunado bispo que, no Brasil da época era assim: Cada um por si, e o resto que se exploda!… Quem era rico, e tinha escravos, pescadores e caçadores, que lhes trouxessem a carne e o peixe, e conseguia comprar pipas de vinho e azeite (e ficar devendo, porque era costume comprar e não pagar), estocava o máximo que podia em sua despensa. E isso não vendiam! Não davam! Não emprestavam!…

EU? NADA…

Um homem estava de luto dos pés à cabeça: traje todo negro, cabeleira preta, rosto abatido, rosário nas mãos. Um dos seus amigos aborda-o solidário:

– Ah, meu Deus! Que é que perdeste?

 – Eu? – respondeu o outro – não perdi nada; minha sogra é que faleceu.

DOIS VALENTES

Numa bodega, altercavam dois poltrões cheios de vinho, separados pela largura da mesa. Exaltando-se a discussão, um deles exclama para o outro:

– O que lhe salva é não estar mais perto… ou então lhe dava duas bofetadas!… Mas basta a intenção: faça de conta que as recebeu!

– Pois eu digo isto – tornou o outro, também furioso, mas também frouxo – se não estivesse tão longe, lhe matava!… Mas basta a intenção: faça de conta que morreu!

ISSO NÃO!

Pregava um padre o sermão da sexta-feira Santa, e agitava no ar o Santo Sudário, em que se via estampada a imagem de Cristo. Ao mesmo tempo que exclamava, apontando para os fiéis:

– Bárbaros! Bárbaros que o assassinastes! Cruéis, que o sacrificastes!

E, na fúria da gesticulação, o pregador roçava o sudário pela chama das tochas, com risco de incendiá-lo.

– Ande lá! – grita-lhe lá de baixo um “irmão do Santíssimo”. – Queime-o, queime-o, e depois vá dizer também que fomos nós!…

ENCABULADO

Quando um homem, andando na rua, avistou o seu médico aproximar-se, cobriu o rosto com as mãos e escondeu-se atrás de uma cerca. Um amigo que o acompanhava, perguntou-lhe a razão da atitude inusitada

– É que sinto vergonha, pois já faz tanto tempo que eu não fico doente!