Arquivo da Categoria ‘De 1600 a 1700’

Certo militar graduado, que acabava de chegar a Palácio, para trazer ao seu Monarca uma notícia gloriosa de seu exército, entrou com botas e esporas, descabelado e coberto da poeira do caminho. Encontrou-se com dois palacianos, que lhe disseram:

– Olhais como vindes; que pareceis um cavalariço.

– Sim, meus senhores – lhes respondeu casualmente – e disposto a encilhá-los.

Em 1646, um português cujo navio fora seqüestrado em Angola, foi abandonado no Recife, com escassos trapos a cobrirem-lhe o corpo. Após ter solicitado em vão a ajuda de seus compatriotas na província, em desespero, foi até Frei Manoel do Salvador; que o aconselhou a apelar à caridade do brasileiro João Fernandes. O recorrente encontrou-o no ato de montar em seu cavalo, e recebeu esta resposta:

– Já estou com o pé no estribo para retornar à minha casa, à cerca de duas léguas daqui; o que me impede, senhor, de auxiliar-vos agora. Porém, se vós tiverdes o incômodo de seguir-me até lá, eu vos darei tudo o que permitirem meus meios; e se eles findarem, e não houver mais nada para comer, eu cortarei uma perna, e nos alimentaremos dela juntos.

Viajava um sujeito pela província, e ao passar por certa cidade, perguntou-lhe o corregedor :

– Amigo; o que se diz na Corte?

– Missas.

– Não, amigo; quero dizer: que ruídos se ouve?

– O das carruagens.

– Não pergunto isso, amigo, senão: o que há de novo?

– A lua.

– Amigo, – prosseguiu o juiz – diga-me ao menos vossa mercê como se chama?

– Os tolos me chamam de amigo; e na Corte me chamam por meu nome.

Um conde, que tinha a barba muito roxa, perguntou a um jardineiro (sabendo que era eunuco) em presença de seu Rei:

– Por que não tens barba?

– Senhor, – lhe respondeu o jardineiro – quando Deus fez a distribuição das barbas, chegada a minha vez, não lhe restavam senão barbas roxas para dar, e vendo aquilo, preferiu antes deixar-me sem barba, que dar-me uma da cor da de Judas.

Sob uma terrível tormenta, um espanhol chegou encharcado, à meia-noite, a uma hospedaria. Bateu muito com a aldrava da porta, e, quando finalmente o sonolento hospedeiro perguntou, de dentro, quem era, ele bradou: soy Don Sancho Alfonso Ramiro Juan Pedro Carlos Francisco Domingo de Rosas y Zuñiga y de Las Fuentes!

 Porém o dono, que sabia que não dispunha de mais que uma cama vaga, lhe disse: amigo, não tenho camas para tanta gente; e foi deitar.

Um velho levou à igreja duas velas acesas: pôs uma junto à imagem de São Miguel, e outra à do Diabo. Vendo aquilo, o padre lhe disse:

– Que fazeis, bom homem?  Não vedes que é o Demônio quem alumiais?

– Pois, que importa, senhor cura? – respondeu o velho – É bom ter amigos em cima e embaixo, porque não sabemos onde iremos parar.